EM BUSCA DE UMA BARRA DE SÃO JOÃO PERDIDA

Paula Penélope me pediu que escrevesse com afeto sobre o meu lugar. E começo aqui uma saga pelas imagens na parede da memória e personagens que habitam vivamente meus sonhos dormindo e acordado. Aqui e ali a memória já me falha e agradeço de coração a quem viveu mais perto ou está menos gagá do que eu, se puder ajudar com as próprias lembranças. Nessa primeira crônica agradeço o refrescar mnemônico que me deu, o colega Ivo dos Santos Pinto.

A euforia era enorme. A viagem para Barra de São João era uma Odisseia. Acontecia sempre em dezembro, quando ficávamos até março; em julho; e em um que outro feriado estendido como Carnaval, Semana Santa etc. Pudera, naquele tempo o percurso levava cerca de oito horas para ser realizado. De São Pedro para cá era terra, papai dizia que não sabia se rezava pra ter sol e não atolar nas poças, ou pra chover e não ficar cego da poeira dos carros da frente.

Pai E Mae Colunista Vespa
Papai e Mamãe na década de 50, Morro São João ao fundo. Reza a lenda que fui concebido no quarto da frente da casa em que moro até hoje


Os preparativos começavam enchendo a mala do enorme Dodge Coronet, inclusive com panelas, porque havia espaço. Saíamos do Leblon na primeira hora, em direção a Praça XV, de onde atravessávamos de Cantareira, acompanhado de botos, dezenas deles pulando pra fora da água, aquilo era uma festa para os olhos. Eles ainda existem na Baía de Guanabara, mas estão se extinguindo. Em feriados mais concorridos, a fila de embarque era tão grande que optávamos por seguir pela Avenida Brasil, Magé, Manilha, BR101 e a antiga Engenheiro Leal, hoje Via Lagos. A Serramar ainda não nos trazia com segurança até Barra, nem sei se estava aberta. Primeira viagem por ela foi ali pelos idos de 1978.

Eu enjoava demais e se precisava parar umas dez vezes, pela velha Amaral Peixoto, para que eu pudesse vomitar. Havia as paradas de excelência, o pastel de siri no km 16, onde hoje é Manilha. O 31, já em Maricá. O Ladrão (que uma vez cobrou caro e nunca mais paramos, mas 30 anos depois ainda fazíamos o comentário), o vendedor de mamão já aqui em Campos Novos. E as obrigações ao chegar que não eram poucas. Se preparar para a estada prolongada. Papai descia nos fins de semana para comentar corridas de cavalo, mas nós ficávamos até três meses direto em Barra.

Dodge Coronet Decada 60
O modelo do Dodge Coronet que usávamos na década de 60. Achei anos depois, rodando em Habana Vieja.

Chegando ainda de noitinha, a primeira visita, sempre era ao Armazém de Sete Portas do seu Landinho. Que ficava ali, onde é o Xará Dreams, Amaral Peixoto quase esquina de Salgado Filho. Ali nos abastecíamos de querosene para os candeeiros – a luz de gerador apagava às 20h, ou seria às 22h?; Camisas de lampião Aladim – o mais forte da casa que ficava na sala.

Tamancos – ai que raiva deles, como machucavam meus pés – que eram produzidos, segundo me informei recentemente, em duas fábricas aqui de Barra mesmo, uma delas do seu Ivo Pinto, pai do nosso Ivo do Turismo e do irmão Pedrinho. E a parte que eu mais gostava: puçás para pegar siris. Papai dizia que “caniço é o instrumento que separa o peixe do idiota”, citando Pitigrilli o escritor e frasista italiano. Mas siri ele aceitava pescar, porque via o bicho entrando no puçá, na maré baixa. Preferia os pequenos que comia com casca e tudo cozidos no arroz. Isca? Tripa de Galinha, embora o peixe sempre tenha sido mais abundante.

Foto3  Familia do Vespa

Nem em três encadernações esquecerei o cheiro e o gosto do pão quente de Alcibíades e de dona Fiaca, cuja padaria ficava em frente onde é hoje o Princesa. Havia também a de seu Indeca, na rua Sá Pinto, quase esquina com Beira Rio, a chaminé está lá até hoje. E aqui vale o primeiro caso, e “Se non è vero, è ben trovato.” (Se não é verdadeiro, é bem contado, delicioso).


Deu-se, segundo esse pessoal fofoqueiro, certa festa de São Cristóvão, onde seu Indeca teria bebido demais. Lá pra madrugada precisando fazer a massa do pão, comeu uns cachorros-quentes pra reduzir o porre e forrar as paredes do estômago. A postos na obrigação, mexe pra cá, mexe pra lé, sobe aquele cheiro azedo de fermento. E seu Indeca não lembra de mais nada. Assou o pão, deixou a mulher vendendo já de manhã e foi descansar. De tarde, cobrindo a esposa, está numa tremenda ressaca na padaria, quando chega um menino saltitante:

– Seu Indeca, minha mãe mandou comprar mais daquele pão com pedacinhos de salsicha que estava gostoooooso demais.

Familia Vespa
Papai, eu, mamãe (de tamancos), Heitor, Minha irmã Doris, a esposa de Heitor que não recordo o nome, minha tia Dalvinha, da sensacional escola Colibri, e minha prima querida Carla Araújo. A lateral dá a data set/1972.

Feita essa digressão teratológica e pantagruélica, pela quantidade de caracteres, encerro essa primeira crônica, ainda muito pessoal, mas se for do desejo dos leitores, em breve tem mais, com causos, comércios e personagens que fizeram e fazem a identidade da nossa cidade. Como Jayminho da Praia, Walter do Por do Sol, os amados irmãos Beto e Batista. E muita gente ainda que, espero, não me processe. \

Até a próxima.

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